Um ano depois de topar o desafio de tocar o próprio negócio, os empresários acompanhados desde julho passado pelo projeto Minha vida de empresário comemoram a sobrevivência no mercado. A tarefa não foi fácil e promete ser extenuante até o ano que vem, período em que quase um quarto dos negócios fecha as portas, segundo dados do Sebrae. Os empresários da Doce Requinte, Infatti Interiores, Retorno Confecções, Empório Colonial, Drogaria Planalto e Inbox Presentes Criativos sabem muito bem o que os espera pela frente. Além de continuar lidando com uma alta carga tributária, dificuldades no planejamento e outros obstáculos, também terão de enfrentar um cenário econômico instável.

De julho para cá, eles tiveram que lidar com inflação elevada, taxa de inadimplência em alta, aumento das taxas de juros, câmbio valorizado, entre outros fatores, e não será diferente de agora em diante. Mesmo que poucos empresários enxerguem com clareza a relação de seus negócios com o cenário econômico nacional, a verdade é que questões como taxa de juros, câmbio e inadimplência podem direcionar decisões ou impactar as vendas. Um bom exemplo desse reflexo pode ser visto no primeiro trimestre, quando praticamente todos os empresários acompanhados pelo projeto registraram queda no movimento. Segundo, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), depois de avançar 0,5% em janeiro, as vendas no varejo caíram 0,4% em fevereiro e 0,1% em março.

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Depois de atravessar o primeiro ano por conta própria, empresários planejam nova fase
Tanto que o proprietário da Drogaria Planalto, em Montes Claros, Bruno Guedes, sentiu os efeitos no seu faturamento. A queda nas vendas, principalmente no primeiro trimestre, foi o momento mais difícil do negócio, porque comecei achando que ia vender o mesmo volume todos os meses. No início do ano, Bruno chegou a registrar quedas de até 30% nas vendas. Tentei não desanimar, fazendo promoções e oferecendo novidades. Também tive que ficar de olho nos preços da concorrência para não perder ainda mais, acrescenta.

Ainda em 2012, os empresários tiveram de enfrentar a alta da taxa de maus pagadores, que subiu 15% em relação a 2011, segundo dados da Serasa Experian, o que certamente exigiu estratégias mais assertivas para estimular novas compras. Decisões do Comitê de Política Monetária (Copom) quanto ao futuro da taxa básica de juros brasileira – que em agosto passado saltou de 8% para 7,5%, depois para 7,25% por sete meses, voltou para 7,5% em abril e em maio voltou aos 8% – também foram responsáveis por acelerar, mas também retardar a decisão de consumo. Segundo Alessandro Oliveira, sócio da Inbox, a redução de juros somada à redução do IPI, embora visassem estimular o consumo, impactaram negativamente alguns setores do varejo. As pessoas usaram isso para comprar mais eletrodomésticos e carros, então alguns setores foram mais beneficiados. As classes C e D se endividaram e acabou não sobrando para outras compras.

INFLAÇÃO Mesmo que não tenha sido sentida por todos os empreendedores, a inflação, principalmente no grupo dos alimentos, afetou os negócios das sócias da Empório Colonial. Segundo o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado pelo IBGE, de janeiro a junho o grupo de alimentação encareceu 6,02%, índice que supera a inflação oficial, que foi de 3,15%. Leite, ovos e farinha, que usamos todos os dias, são itens com preços que sobem muito rápido e ficamos sem saber como repassar isso para o cliente, o que acaba comprometendo o faturamento ao longo do ano, lembra Adriana Melgaço, uma das sócias do empreendimento.

O professor de economia empresarial da FGV/IBS, Raul Duarte, justifica que grande parte dos problemas enfrentados pelos empreendedores pode ter ocorrido por eles não terem formação específica para lidar com as adversidades econômicas e qualquer mudança no cenário impactar o negócio. A maioria não está preparada para interpretar essas variações e usar as mudanças a favor da própria empresa, explica. A economia brasileira está passando pela sua prova de fogo e para enfrentá-la de agora para frente, será preciso ainda mais planejamento para que tirem vantagens dessas medidas econômicas e passem por essa fase sem grandes prejuízos, acrescenta.

No início, planejar é preciso

A falta de planejamento foi o calcanhar de aquiles de Radamés Pereira e Adriana Carvalho, donos da Infatti Interiores, no Shopping Minascasa, em Belo Horizonte. A decisão foi muito rápida. Ainda não tínhamos estrutura de pessoal e logística de entrega, lembra. Entre a decisão de abrir a loja e o efetivo início das atividades, foram pouco mais de dois meses. Não tivemos tempo de conhecer os fornecedores e o ramo de atividade. Acabamos aprendendo com a loja em funcionamento, explica. Hoje, quem me pede orientação para abrir o negócio próprio, sempre aconselho a amadurecer a ideia, entender o produto, o concorrente e a clientela antes. Depois de aberto, não tem mais jeito, acrescenta.

A dificuldade não foi exclusiva da Infatti. As sócias da Doce Requinte, Juliana Rezende e Débora Oliveira, também apontaram o planejamento como a fase mais crítica do primeiro ano. Antes de iniciar, é preciso fazer um bom plano de negócio e pesquisar muito sobre o mercado. Aprofundar em assuntos que não tenha muito domínio, como financeiro e controle de gastos, também é fundamental, orienta.

Professor do curso de empreendedorismo do Ibmec, João Bonomo reconhece a importância do preparo, mas lamenta que a questão ainda fique em segundo plano. Muitos acham que a ideia é boa por si só, por isso não buscam nenhum conhecimento sobre o mercado, ambiente de negócio, entidades que regulamentam o setor, os principais competidores, como se destacar, novidades. Com isso, vão aprendendo à medida que os problemas surgem, observa.

Juliana reconhece que, mesmo com a pesquisa que fizeram antes e a conversa com outros empresários, o primeiro ano foi mais difícil que o esperado. Iniciamos sem muita experiência e fomos aprendendo muitas coisas no decorrer do dia a dia, conta. Para elas, outro problema é a dificuldade de contratar bons funcionários. A experiência é compartilhada entre a Infatti Interiores e a Retorno Confecções, do empresário Raphael Oliveira, de Montes Claros.

É complicado, porque não se acham pessoas com experiência. Aqueles que têm, são muito disputados, conta Raphael. A alternativa encontrada por ele foi dispensar o pessoal contratado e tocar a loja com a namorada. Agora, quero colocar só pessoas de confiança, planeja. O resultado, na avaliação de Bonomo, é que muitos apelam para mão de obra desqualificada e acabam afastando clientes. É preciso que o empresário tenha ciência de que a qualificação é uma tarefa dele, alerta.

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