À primeira vista, nada parecia tão heterogêneo quanto as demandas das manifestações populares que tomaram o país a partir de junho. A visão de políticos e analistas ficou turva. O ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gilberto Carvalho, admitiu que a massa era tão barulhenta quanto incompreensível. Está difícil de entender, disse.

Mas, passadas as primeiras semanas dos protestos, ficou mais claro o clamor: a má qualidade dos serviços públicos é o que une a maioria das queixas. Transporte, educação, saúde e segurança estão onipresentes nos cartazes das passeatas.

Que a gota d’água para os protestos tenha sido o aumento da passagem de ônibus em São Paulo é outra evidência desse pano de fundo: pagamos impostos de país rico, recebemos em contrapartida serviços de país pobre.

Os Estados Unidos, a nação mais rica do mundo, arrecadam proporcionalmente menos impostos que o Brasil — a carga tributária brasileira é de 36% do PIB e a americana, de 27%. Também a Suíça, epítome de riqueza e bem-estar no imaginário brasileiro, suga menos de seus cidadãos na forma de tributos — lá, a carga é de 29% do PIB.

As manifestações mostram claramente a insatisfação com a qualidade dos serviços básicos no Brasil, diz o economista Raul Velloso, especialista em contas públicas. E a qualidade do gasto público está no centro do problema. A análise de áreas específicas do serviço público mostra o desequilíbrio do gasto brasileiro. Nossas despesas com saúde são de quase 9% do PIB.

Mesmo com esse desembolso, a taxa de mortalidade infantil no país é de 20 mortes para cada 1 000 bebês nascidos vivos. Já a Suíça gasta com saúde o equivalente a 7% do PIB — e tem menos de quatro mortes para cada 1 000 nascimentos.

Melhorar o gasto público não significa necessariamente investir em escolas e corredores de ônibus o dinheiro aplicado na construção de estádios para a Copa do Mundo, como bradam os manifestantes nas ruas. A qualidade do serviço público não vai melhorar se a gestão continuar falha, diz Guy ­Peters, professor da Universidade de Pittsburgh e um dos maiores especialistas em administração pública do mundo.

Sem gestão fica muito mais difícil melhorar as coisas em um país grande e complexo como o Brasil. Quando as rédeas estão frouxas nesse campo — e é o que ocorre em quase todas as esferas do Estado brasileiro —, as consequências são bem palpáveis. As cenas de corredores de hospitais lotados com doentes à espera de atendimento indicam que muito do dinheiro destinado à saúde não está chegando aonde deveria.

Sem falar de desvios, o mau emprego dos recursos é uma praga no Brasil. Um servidor exemplar, que realiza suas tarefas de maneira eficiente, recebe exatamente os mesmos benefícios e tem progressão de carreira idêntica à de um colega relapso, que não faz nada além de cumprir horários.

Há quem considere o efeito da ineficiência pior que o da corrupção. O que não é pouco — segundo a Federação das Indústrias de São Paulo, as propinas drenam o equivalente a 1,4% do PIB ao ano. Em 2012, a tungada equivaleu a 60 bilhões de reais.

É comum que se confunda melhora dos serviços públicos com aumento dos investimentos. Mas não necessariamente a distribuição de computadores nas escolas vai melhorar a educação do país. O Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário elaborou um ranking do retorno para a população dos impostos que ela paga.

O ranking leva em conta a carga tributária e o índice de desenvolvimento humano de 30 países. A despeito de sua tributação de país rico, o Brasil é o último colocado na lista, em que o primeiro é a Austrália. Aqui, além de a carga ser alta, o dinheiro dos impostos é mal distribuí­do, diz Ricardo Gaspar, professor de economia da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e especialista em gestão pública.

A Coreia do Sul tem um dos mais emblemáticos casos de sucesso em educação no mundo. No ranking de qualidade do ensino elaborado pela consultoria britânica Economist Intelligence Unit — que leva em consideração quesitos como testes feitos por estudantes e o número de universitários que saem da faculdade emprega­dos —, a Coreia aparece em segundo lugar.

Pois bem: o país asiático aplica em educação o equivalente a 5% do PIB. O Brasil é o penúltimo colocado nesse ranking, do qual fazem parte 40 países. Nosso gasto em educação corresponde a 6,1% do produto interno bruto.

Dinheiro de helicóptero

Ao sabor dos protestos, sacando propostas a toque de caixa para responder às demandas da turba, políticos país afora deram suas cartadas resvalando no populismo. Ideias de reforma política e até de punição exemplar para corruptos brotaram de repente.

No terreno das medidas práticas, municípios como Rio de Janeiro e São Paulo reduziram as tarifas de ônibus. Outros, como Goiânia, passaram a oferecer transporte gratuito para estudantes. Reajustes de pedágios foram suspensos — o que pode piorar o clima já inóspito aos investimentos.

No Congresso Nacional, o Plano Nacional de Educação foi subitamente para o topo das prioridades dos parlamentares. O plano, que está no Congresso há dois anos e meio, tem como ponto central elevar para 10% do PIB os gastos com educação até 2020.

Hoje, no Brasil, a relação entre o aumento das despesas com educação e a melhora da qualidade do que é ensinado nas escolas é nenhuma, diz o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getulio Vargas.

Se todo esse dinheiro for jogado de um helicóptero, o resultado vai ser o mesmo: algum dinheiro vai cair no lugar certo. Menos mágicas e mais seriedade na aplicação dos recursos ajudariam a dar respostas melhores às reivindicações das ruas.

Fenacon